sábado, 11 de março de 2017
À espera da delação do fim do mundo, políticos vivem dias de medo e tensão
Brasília está em compasso de espera. A chamada “delação do fim do mundo” está para sair a qualquer momento do Supremo Tribunal Federal (STF), com potencial para sacudir a Praça dos Três Poderes. Na quinta-feira (9), a informação sobre o volume das delações da Odebrecht já circulava em redes sociais com uma pitada de rebuliço– jornalistas se organizaram para levar ao STF ao menos um HD externo com até 2 terabytes para copiar os documentos a partir de uma eventual quebra de sigilo.
O clima é de apreensão máxima no Congresso Nacional e também no Palácio do Planalto com o conteúdo das 77 delações de executivos e ex-executivos da empreiteira feitas no âmbito da Lava Jato. A expectativa não é sem fundamento: desde a homologação dos acordos de colaboração premiada pelo STF, no fim de janeiro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, prepara uma lista com nomes de políticos que na visão dele precisam ser investigados.
Extraoficialmente, corre que Janot implicará cerca de 200 nomes filiados a partidos políticos de variadas colorações. E, ao pedir a abertura dos inquéritos ao STF – já que somente a Corte pode autorizar a investigação de políticos com foro privilegiado –, há ainda outro provável desdobramento: a quebra do sigilo das delações, ou da maior parte delas. E até o senador Romero Jucá (PMDB-RR), ciente da iminente abertura das delações, passou a defender a “integral divulgação” dos depoimentos – ele é investigado na Lava Jato.
Os primeiros sinais públicos da tensão em Brasília começaram já no início de fevereiro, com a posse de Moreira Franco na cadeira de ministro de Estado, apenas dias após o nome do peemedebista ter aparecido em trechos de delações vazadas à imprensa. Na Esplanada dos Ministérios, Franco ganhou foro privilegiado no STF, escapando das mãos do juiz federal Sergio Moro, ágil nos despachos.
Em meados de fevereiro, o presidente Michel Temer veio a público para estabelecer uma espécie de “rito da degola”: ministros citados nas delações da Lava Jato serão afastados apenas se houver denúncia da PGR à Justiça – e de forma provisória. Demissão mesmo, segundo o peemedebista, só se o Supremo torná-los réus. “As denúncias não vão demorar desta vez, tamanha a materialidade [das suspeitas]”, destaca um atento observador dos trâmites em Brasília, ao comparar com aprimeira “lista de Janot”, de março de 2015, que envolveu mais de 50 políticos, mas rendeu até agora cerca de 20 denúncias.
A ideia de Temer ao estabelecer a regra foi tentar se antecipar a possíveis cobranças por demissões, a partir de uma provável avalanche de relatos envolvendo aliados. Nos corredores do Planalto, contudo, há quem aposte que o “rito da degola” não se sustentará a partir do forte impacto previsto com a publicidade das delações. E os afastamentos temporários de ministros podem forçar o presidente a redesenhar a Esplanada dos Ministérios.
Além de adotar medidas concretas para tentar se proteger da “delação do fim do mundo”, o Planalto também se empenha em disfarçar a tensão no discurso para a plateia. Uma das estratégias é colocar a agenda econômica na linha de frente. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, foi escalado para uma maratona de reuniões na Câmara dos Deputados para acelerar a reforma da Previdência.
Outra estratégia é se agarrar ao Legislativo, até a turbulência passar, embora ninguém queira arriscar um desfecho. Auxiliares de Temer e parlamentares têm repetido à exaustão que a Lava Jato seria “assunto do Judiciário”, incapaz de paralisar o debate no Legislativo e do Executivo em torno da “prioritária pauta econômica”. A intenção é preparar o terreno: “vida que segue”, a despeito do impacto das delações.
Congresso está pautado pelo medo
• Depoimentos no TSE
• O momento de maior tensão em Brasília desde a homologação das 77 delações ocorreu nos últimos dez dias, marcados pordepoimentos de delatores da Odebrecht “emprestados” para o processo contra a chapa Dilma-Temer, que tramita no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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• O conteúdo revelado pelo vazamento dos relatos ao TSE – na prática, fatos já narrados no âmbito da Lava Jato – foi considerado uma espécie de “prévia da delação do fim do mundo”. Braço direito do presidente Michel Temer, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, foi uma das figuras que saíram chamuscadas do episódio e sua permanência no Planalto ainda é dúvida.
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• Outro vazamento de trechos de relatos ao TSE, atingindo o presidente nacional do PSDB, o senador Aécio Neves (MG), provocou até a reação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que saiu publicamente em defesa do correligionário. Acabou levantando uma tese polêmica sobre doações a campanhas eleitorais, e que evidencia a preocupação da classe política. “Há uma diferença entre quem recebeu recursos de caixa dois para financiamento de atividades político-eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, daquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal, crime puro e simples de corrupção”, disse.
• Decisão do STF
• Na terça-feira (7), os ministros da Segunda Turma do STF colocaram mais lenha na fogueira da Lava Jato ao acolherem uma denúncia contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) por corrupção e lavagem de dinheiro. A Corte pacificou o entendimento de que o disfarce de dinheiro oriundo de propina como doação oficial é crime.
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• No mesmo dia, durante jantar no tradicional Piantella, onde o jornalista Ricardo Noblat comemorava 50 anos de profissão, a “delação do fim do mundo” fez parte do cardápio principal. “Todo mundo vai ficar no mesmo bolo e abriremos espaço para um salvador da pátria? Não, é preciso salvar a política”, disse Aécio, um dos figurões da política presentes no restaurante.
• O bate-papo no Piantella parece ter surtido efeito imediato. Na quinta-feira (9), a perplexidade de parlamentares com a decisão no STF chegou a ressuscitar novamente a proposta de anistia ao caixa dois, que desde o ano passado é articulada nos bastidores do Legislativo, sem prosperar. Para parlamentares, chegou o momento de delimitar o que é “caixa um, caixa dois e propina”, evitando que todos fiquem no “mesmo bolo”. O Congresso Nacional está pautado pelo medo.
auonline
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