Separados por aproximadamente 400 quilômetros, os municípios catarinenses de Entre Rios, no Oeste, e Treze de Maio, no Sul do Estado, também estão distantes politicamente. Enquanto Treze de Maio concentrou 83,89% dos votos válidos a Bolsonaro no primeiro turno, Entre Rios garantiu a maior vitória a Haddad em SC, com 65,63%.
Embora o resultado das urnas seja oposto, ambos os municípios têm menos de 10 mil habitantes e vivem realidades econômicas semelhantes: a renda mensal é de 1,8 salários mínimos em Entre Rios e de 1,6 salários mínimos em Treze de Maio, segundo dados do IBGE de 2016. Os prefeitos dos dois municípios também são filiados ao mesmo partido, o PP, que nacionalmente já flertou com o PT de Haddad e hoje certas alas não escondem simpatia pelo PSL.
A preferência de Santa Catarina pelo candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, se refletiu nos 65,82% dos votos válidos concentrados por ele no Estado. Foi o maior percentual do país. Bolsonaro saiu vencedor em 262 dos 295 municípios catarinenses. Em outras 33 cidades, quem levou a melhor foi o candidato do PT, Fernando Haddad, que reuniu 15,13% dos votos válidos.
A cena é frequente em época de campanha. Uma candidata a deputada estadual do MDB entrou em uma empresa para pedir votos ao proprietário e aos funcionários não só para si mesma, mas também para o candidato a presidente pelo partido, Henrique Meirelles. O empresário até concordou em recebê-la, mas advertiu desde o início: não adiantaria pedir votos a Meirelles, porque todos ali já haviam espontaneamente optado por Jair Bolsonaro, do PSL. Relatos de situações semelhantes são comuns em Treze de Maio, município onde fica a empresa, no Sul de Santa Catarina.
Erguida em meio a colinas, a cidade de 7 mil habitantes é um retrato da mudança recente no comportamento do eleitorado. Pelas ruas, não se vê adesivos, carros plotados, placas e nenhuma manifestação, ainda que silenciosa, de preferência por candidato a presidente da República. O PSL, partido de Bolsonaro, não tem um filiado sequer no município. Ainda assim, em nenhum outro lugar de Santa Catarina o capitão da reserva teve uma votação tão expressiva quanto em Treze de Maio, que lhe deu uma vitória com 83,9% dos votos válidos.
— O que existe de campanha por aqui é toda online, com compartilhamentos de publicações. Tudo de forma espontânea — relata o advogado Stefano Bizzotto, um dos 4.219 eleitores de Bolsonaro no município. Ele exibe com orgulho a foto de perfil no Facebook, editada para manifestar apoio à candidatura do candidato da direita.
Stefano e a esposa, Tais, escolheram o candidato do PSL motivados, principalmente, pela insatisfação com os governos PT. O advogado reconhece ter votado em Lula e em Dilma até 2010, mas mudou de posicionamento a partir de 2014. Os motivos são a qualidade dos atendimentos na saúde e da educação no país, que, segundo ele, estão se degradando. Bizotto também vê Bolsonaro mais próximo dos valores cristãos que defende.
— Muitas pessoas falam que os apoiadores do Bolsonaro são preconceituosos, homofóbicos. A família do meu pai biológico, que conheci recentemente, é toda de negros. Tenho amigos que são homossexuais. Nada disso me impediu de votar no Bolsonaro, continuar amigo deles e respeitar a posição de todos. Isso é a democracia — defende Stefano.
Nos pleitos municipais em Treze de Maio, a hegemonia é do PP, que elege o prefeito consecutivamente desde 2004 e tem o maior número de filiados. Neste ano, porém, o partido sequer tentou influenciar o eleitorado treze-maiense a votar em Geraldo Alckmin (PSDB), presidenciável apoiado pela sigla progressista.
A força do PP só foi notada na disputa para senador - Esperidião Amin foi o mais votado - e nas proporcionais. Os candidatos progressistas Leodegar Tiscoski e Valmir Comin foram os mais votados na corrida à Câmara Federal e à Assembleia Legislativa, respectivamente.
Os poucos materiais de campanha encontrados em Treze de Maio são referentes a candidatos ao Legislativo dos partidos mais tradicionais. Manifestar o apoio a Bolsonaro por meio de bandeiras, adesivos e vestimentas não é tão simples. Por causa do processo ainda recente de fortalecimento da sigla, os materiais não chegam com tanta facilidade ao município. O único ato de campanha pró-Bolsonaro foi uma carreata foi realizada duas semanas atrás.
Stefano até quis comprar uma camiseta do candidato do PSL para vestir no dia da eleição, mas desistiu quando descobriu que precisaria de deslocar até Tubarão para comprar uma.
— No fim, achei que não faria diferença. O que importa é o meu voto, não a camiseta que eu vou usar — concluiu.
O que motivam os votos antagônicos
Em 120 cidades, a preferência por Jair Bolsonaro ficou acima da média no Estado. Para o mestre em sociologia política, professor Sergio Saturnino Januario, a ascensão do candidato do PSL em SC pode ser explicada pelo mesmo movimento que o projetou nacionalmente.
Mais do que uma divisão entre ideologias de esquerda e direita, o especialista entende que Bolsonaro simboliza o enfrentamento a uma política desgastada por promessas e poucos resultados.
— O que está acima da onda Bolsonaro é o enfrentamento das condições da política eleitoral até hoje. Depois de uma série de experiências eleitorais, os problemas continuam os mesmos, as soluções são sempre prometidas. A população parece que se cansou dessa política e resolveu apostar no enfrentamento. Bolsonaro representa justamente isso — analisa Saturnino.
Na avaliação do professor, o mesmo movimento em Santa Catarina também pode ser observado nas derrotas de Raimundo Colombo (PSD) e Paulo Bauer (PSDB) na disputa pelo Senado, além da queda de Mauro Mariani (MDB) no primeiro turno da corrida pelo governo. Por outro lado, o partido de Bolsonaro tem Comandante Moisés na disputa pelo segundo turno do Estado e garantiu bancadas expressivas na Assembleia Legislativa e na Câmara Federal.
— Bolsonaro e o PSL são uma válvula de escape disso tudo, mas ele é símbolo disso, não a fonte. A fonte é o desgaste da política de todos os dias — conclui.
Na opinião do prefeito de Entre Rios, Jurandi Dell Osbel, o que pesou a favor de Haddad foi a desconfiança da população indígena em relação a Bolsonaro. Segundo o prefeito, cerca de um terço dos moradores tem raízes indígenas.
— O que pegou foi essa onda de que o Bolsonaro falou dos índios, que cortaria o Bolsa Família — diz Osbel.
Em Treze de Maio, onde Bolsonaro é quase unanimidade, o prefeito Clésio Bardini de Biasi defendeu a coligação de Gelson Merisio (PSD) para o governo, mas também apoiou o presidenciável do PSL nas ruas. Lideranças ligadas a outras coligações, diz o prefeito, também levantaram a bandeira de Bolsonaro, com exceção do PT.
—Já existia uma tendência do eleitor, mas nós também nos manifestamos, pedimos votos. Isto fez a diferença — afirma.
Programas sociais explicam bom desempenho do PT em Entre Rios
Pela segunda eleição presidencial seguida a cidade de Entre Rios teve a maior votação proporcional para o PT em Santa Catarina. Em 2014 Dilma Rousseff fez 69,19% dos votos no primeiro turno. Agora Fernando Haddad fez 65,63%, num total de 1.474.
Uma das explicações é que na região Oeste está uma das forças do PT, tanto que os quatro deputados estaduais do partido que foram eleitos para a Assembleia Legislativa – Luciane Carminatti, Padre Pedro, Neodi Saretta e Luciano da Luz - são da região e foram bem votados em Entre Rios. O mesmo ocorre com o deputado federal Pedro Uczai, que foi reeleito.
- Todo mundo do PT fez voto aqui, um dos motivos é que sempre conseguimos verbas dos deputados para o município, para um posto de saúde, para quadra esportiva, máquinas, a gente conseguiu muita coisa boa para o município e por isso a boa votação, e queremos chegar a 75% no segundo turno – disse o agricultor Airto Milioranza, 56 anos, que está no quarto mandato de vereador no município.
Mas o que impulsionou mesmo a votação, segundo o vereador, foram os programas do Governo Federal, como o Luz para Todos e o Minha Casa, Minha Vida. Políticas voltadas para a população indígena também fizeram a diferença. Isso garantiu maioria esmagadora na área indígena Xapecó, que tem 15 mil hectares e abrange Entre Rios e Ipuaçu. Tanto que a segunda maior votação de Haddad foi em Ipuaçu, com 62,37% dos votos válidos.
– Aqui não existia luz na reserva e veio com o Luz Para Todos, no governo Lula, também foram construídas mais de 200 casas, também teve o Bolsa Família, por isso todo mundo vota no 13 – disse o agricultor Kaingang Demiciano Alves, de 48 anos. Ele e seu irmão Jorge Paulo Alves, de 42 anos, são eleitores assíduos do PT. E esperam mais incentivos para a agricultura, para poderem comprar vacas de leite e aumentarem a produção e a renda.
Entre Rios depende muito de recursos para o setor agropecuário, pois é a base da economia do município. Também necessita muito de investimentos em programas sociais, pois seu IDH, de 0,657, é considerado médio mas está entre os 15 piores de Santa Catarina.
Um fato curioso é que, apesar do bom desempenho nas eleições federais e estaduais, o PT está fora da atual administração, que é comandada pelo PP. Uma explicação é que tem eleitores que votam no PT para presidente, mas no município votam em outro partido. Joacir Milioranza, 58 anos, que é irmão de Airto, já foi vereador pelo PMDB, entre 2001 e 2004. Mas para presidente, ele e a mulher, Almeri Milioranza, 56 anos, são eleitores de Haddad.
clicrbs
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