Em Santa Catarina, solicitar na Justiça remédios iguais ou similares aos que são fornecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) virou rotina em razão das dificuldades para conseguir as medicações. Mas o descumprimento dessas ordens judiciais também se tornou recorrente, conforme as defensorias públicas do Estado e da União, assim como o bloqueio das contas do estado para ressarcir pacientes ou comprar esses remédios.
Segundo a Procuradoria Geral do Estado, anualmente, cerca de R$ 230 milhões são bloqueados para remédios, internações e exames.
Apesar de ser uma alternativa, a chamada judicialização preocupa pacientes. "A maioria das pessoas que atendemos é muito pobre, não tem condições de pagar medicações de valores baixos. A gente sente o desespero das pessoas e o total descaso do estado. Um atraso de 30 dias em um medicamento para o coração, uma insulina, pode levar à morte", afirma a defensora Dayana Luz, que atua na Defensoria Pública do Estado (DPE) da Grande Florianópolis.
'Somente entrando na Justiça'
A dona de casa Maria Adelina da Silva Nocetti, de 74 anos, precisa tomar um remédio diariamente para evitar a trombose e um possível acidente vascular cerebral (AVC). Desde o começo de 2016, a professora Alexandra Nocetti, de 44 anos, filha dela, solicita via Defensoria Pública da União (DPU) receber gratuitamente o Xarelto.
"Nós conseguimos o medicamento nos primeiros três, quatro meses do ano. Íamos até o posto de saúde do bairro Barreiros e retirávamos. Depois foi suspenso e não conseguimos mais pegar a medicação, somente entrando na Justiça e pedindo o reembolso", conta Alexandra Nocetti.
Cada caixa da medicação custa R$ 231, segundo Alexandra. A mãe, Maria Adelina, é hipertensa, tem diabetes, faz acompanhamento de um câncer de mama e, após sofrer um AVC, ficou com sequelas de memória e dificuldades cognitivas. Com isso, toma 11 medicações, oito pela manhã e três à noite.
"Meu pai e minha mãe moram comigo, não têm como arcar com todas as medicações. E para conseguir a liberação via Justiça é complicado, tem que fazer certidão negativa no estado, ir à prefeitura, o processo é demorado e nem sempre o remédio vem em dia", conta Alexandra.
Antes do Xarelto, Maria Adelina utilizava um medicamento similar, chamado Marevan, mas exigia controle de sangue diariamente. "Geralmente ela tinha que extrair sangue no pé. Além de dolorido, ela estava sofrendo pequenos derrames por causa da dosagem não estava bem regulada", lembra Alexandra.
A solução dos médicos foi indicar o medicamento Xarelto, que não está incluso na lista de medicações do SUS. O processo para liberação na DPU demorou cerca de três meses. "Sempre tenho que bancar quando o estado bloqueia a entrega ou pagamento do remédio". Em dinheiro, ela recebeu o valor retroativo de três caixas.
Ampolas de R$ 16 mil
O mesmo modelo de reembolso foi concedido a uma mãe de Florianópolis que preferiu não ser identificada. Ela conta que batalha a cada dois meses na Justiça para garantir quatro ampolas da medicação Remicade, que custam R$ 16 mil.
Desde 2014, o filho dela, de 26 anos, vive com retocolite ulcerativa, uma doença em que o paciente perde parte do intestino grosso. Segundo ela, por uma portaria federal, essa medicação deveria ser garantida pela União, entretanto, a falta é constante.
"No final do ano passado chegou a atrasar por dois meses a medicação, tivemos que comprar o remédio em São Paulo, com a ajuda de familiares e amigos", disse a mãe do paciente.
Ela ainda conta que contratou um advogado para entrar com uma ação e assim conseguir o ressarcimento do valor da medicação, por meio de bloqueio das contas públicas. O advogado tinha solicitado 20% do valor da ação, mas como iria implicar no custo da medicação, os honorários não foram cobrados.
"Aquele que não enche o saco não consegue. Dez dias antes de a época da medicação chegar eu começo a ligar para ver se está chegando. A lista é imensa e quem não vai atrás não recebe", diz a mãe.
'Sequestro de valor virou regra'
O defensor regional de Direitos Humanos de Santa Catarina da DPU, João Vicente Pandolfo Panitz, fica responsável por atender o descumprimento de decisões judiciais na área médica, quando isso envolve cidadãos carentes e vulneráveis. O órgão atende uma média de 160 pessoas por mês.
"Podemos dizer que o sequestro de valores virou regra. É muito recorrente solicitar o bloqueio das contas do estado para conseguir os valores. Mas isso é muito ruim, pois demanda licitação", conta Panitz.
Na esfera estadual, a Defensoria Pública Estadual (DPE-SC) acaba tendo de utilizar da mesma estratégia. Na Grande Florianópolis, a defensora Dayana Luz atende uma média de 20 pessoas por semana com solicitações de recebimento de remédio.
"É muito ruim e demora mais tempo. Para conseguir a medicação mês a mês é preciso fazer a pesquisa de preço em três farmácias, selecionar a de menor preço, o dinheiro é bloqueado e transferido para conta da farmácia", explica a defensora Dayana Luz.
Segundo Dayana, com isso, é necessário acompanhar o passo a passo do procedimento, cobrar as farmácias sobre as chegadas dos medicamentos e avisar à pessoa assistida. A média de prazo para o recebimento é de 30 dias.
Os cinco remédios mais pedidos na DPU
- Insulina lantus - para diabetes
- Xarelto - para circulação sanguínea
- Ritalina - para transtorno de déficit de atenção / hiperatividade (TDAH)
- Spiriva Respimat - para problemas pulmonares
- Lucentis - para problemas oftalmológicos
No procedimento-padrão para solicitação de remédios judicialmente, a ação é julgada pelo Juizado da Fazenda Pública. Quando a ação é de valores até R$ 60 mil, a média para resposta é de 15 dias, segundo a DPE. Na Grande Florianópolis, a 18ª coordenadoria regional da Saúde recebe a solicitação, e a entrega fica à cargo da farmácia escola da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Entretanto, segundo ela, a taxa de descumprimento da ordem judicial é alta. "Algo em torno de 75%. Como o próprio Poder Judiciário não estabelece multa em caso de descumprimento, é feito o bloqueio das contas para conseguir o valor", explica a defensora.
"O que o estado geralmente alega é que venceram as licitações, ou as licitações para medicações estão demorando para acontecer. Mas a gente sabe que o problema é de gestão pública", conta a defensora sobre os motivos de descumprimento.
Remédios mais pedidos
Conforme a defensora, a maior solicitação é por Ranibizumabe, chamado comercialmente de Lucentis. Segundo a defensora, o medicamento é utilizado para degeneração macular e retinopatia diabética - é uma injeção dada no olho.
"A medicação não é dada ao paciente, mas é agendada a aplicação no hospital", explica a defensora. O medicamento não está na lista dos oferecidos pelo SUS, por isso a solicitação é feita judicialmente.
Entre os obrigatórios para fornecimento no SUS estão as insulinas. Segundo a DPE, a do tipo Lantus é uma das mais solicitadas judicialmente, em razão da falta do medicamento na rede pública. "[As caixas] custam em média R$ 300, são de uso de crianças e adultos", diz Dayana.
No DPU, o problema também está na mesma ordem. "Os medicamentos mais recorrentes são as insulinas e os análogos, além de Ritalina, Spiriva e Lucentis", diz Panitz.
Judicialização é problema para a secretaria de Saúde
Conforme a secretaria de Saúde, há oito meses foi implantado no estado um Núcleo de Apoio Técnico (NAT) para dar embasamento à Justiça nas decisões de liberação de medicamentos. O projeto atende atualmente São José e Palhoça, na Grande Florianópolis, com previsão de ampliação para a capital ainda em 2016.
"Ao longo desse período, já se verifica grande conformidade entre as sugestões do Núcleo e as decisões proferidas posteriormente, sejam elas sobre o fornecimento do medicamentos, sejam sobre a necessidade de incremento das informações por parte do autor, a fim de instruir mais adequadamente o pedido", declarou o consultor jurídico da secretaria, Daniel Cardoso.
De acordo com a secretaria, com esse novo modelo de núcleo consultor a tendência é "diminuição da judicialização da saúde, principalmente no que tange ao fornecimento de medicamentos não padronizados", escreveu o consultor.
Segundo a Procuradoria Geral do Estado, anualmente, cerca de R$ 230 milhões são bloqueados para remédios, internações e exames.
Apesar de ser uma alternativa, a chamada judicialização preocupa pacientes. "A maioria das pessoas que atendemos é muito pobre, não tem condições de pagar medicações de valores baixos. A gente sente o desespero das pessoas e o total descaso do estado. Um atraso de 30 dias em um medicamento para o coração, uma insulina, pode levar à morte", afirma a defensora Dayana Luz, que atua na Defensoria Pública do Estado (DPE) da Grande Florianópolis.
'Somente entrando na Justiça'
A dona de casa Maria Adelina da Silva Nocetti, de 74 anos, precisa tomar um remédio diariamente para evitar a trombose e um possível acidente vascular cerebral (AVC). Desde o começo de 2016, a professora Alexandra Nocetti, de 44 anos, filha dela, solicita via Defensoria Pública da União (DPU) receber gratuitamente o Xarelto.
"Nós conseguimos o medicamento nos primeiros três, quatro meses do ano. Íamos até o posto de saúde do bairro Barreiros e retirávamos. Depois foi suspenso e não conseguimos mais pegar a medicação, somente entrando na Justiça e pedindo o reembolso", conta Alexandra Nocetti.
Cada caixa da medicação custa R$ 231, segundo Alexandra. A mãe, Maria Adelina, é hipertensa, tem diabetes, faz acompanhamento de um câncer de mama e, após sofrer um AVC, ficou com sequelas de memória e dificuldades cognitivas. Com isso, toma 11 medicações, oito pela manhã e três à noite.
"Meu pai e minha mãe moram comigo, não têm como arcar com todas as medicações. E para conseguir a liberação via Justiça é complicado, tem que fazer certidão negativa no estado, ir à prefeitura, o processo é demorado e nem sempre o remédio vem em dia", conta Alexandra.
Antes do Xarelto, Maria Adelina utilizava um medicamento similar, chamado Marevan, mas exigia controle de sangue diariamente. "Geralmente ela tinha que extrair sangue no pé. Além de dolorido, ela estava sofrendo pequenos derrames por causa da dosagem não estava bem regulada", lembra Alexandra.
A solução dos médicos foi indicar o medicamento Xarelto, que não está incluso na lista de medicações do SUS. O processo para liberação na DPU demorou cerca de três meses. "Sempre tenho que bancar quando o estado bloqueia a entrega ou pagamento do remédio". Em dinheiro, ela recebeu o valor retroativo de três caixas.
Ampolas de R$ 16 mil
O mesmo modelo de reembolso foi concedido a uma mãe de Florianópolis que preferiu não ser identificada. Ela conta que batalha a cada dois meses na Justiça para garantir quatro ampolas da medicação Remicade, que custam R$ 16 mil.
Desde 2014, o filho dela, de 26 anos, vive com retocolite ulcerativa, uma doença em que o paciente perde parte do intestino grosso. Segundo ela, por uma portaria federal, essa medicação deveria ser garantida pela União, entretanto, a falta é constante.
"No final do ano passado chegou a atrasar por dois meses a medicação, tivemos que comprar o remédio em São Paulo, com a ajuda de familiares e amigos", disse a mãe do paciente.
Ela ainda conta que contratou um advogado para entrar com uma ação e assim conseguir o ressarcimento do valor da medicação, por meio de bloqueio das contas públicas. O advogado tinha solicitado 20% do valor da ação, mas como iria implicar no custo da medicação, os honorários não foram cobrados.
"Aquele que não enche o saco não consegue. Dez dias antes de a época da medicação chegar eu começo a ligar para ver se está chegando. A lista é imensa e quem não vai atrás não recebe", diz a mãe.
'Sequestro de valor virou regra'
O defensor regional de Direitos Humanos de Santa Catarina da DPU, João Vicente Pandolfo Panitz, fica responsável por atender o descumprimento de decisões judiciais na área médica, quando isso envolve cidadãos carentes e vulneráveis. O órgão atende uma média de 160 pessoas por mês.
"Podemos dizer que o sequestro de valores virou regra. É muito recorrente solicitar o bloqueio das contas do estado para conseguir os valores. Mas isso é muito ruim, pois demanda licitação", conta Panitz.
Na esfera estadual, a Defensoria Pública Estadual (DPE-SC) acaba tendo de utilizar da mesma estratégia. Na Grande Florianópolis, a defensora Dayana Luz atende uma média de 20 pessoas por semana com solicitações de recebimento de remédio.
"É muito ruim e demora mais tempo. Para conseguir a medicação mês a mês é preciso fazer a pesquisa de preço em três farmácias, selecionar a de menor preço, o dinheiro é bloqueado e transferido para conta da farmácia", explica a defensora Dayana Luz.
Segundo Dayana, com isso, é necessário acompanhar o passo a passo do procedimento, cobrar as farmácias sobre as chegadas dos medicamentos e avisar à pessoa assistida. A média de prazo para o recebimento é de 30 dias.
Os cinco remédios mais pedidos na DPU
- Insulina lantus - para diabetes
- Xarelto - para circulação sanguínea
- Ritalina - para transtorno de déficit de atenção / hiperatividade (TDAH)
- Spiriva Respimat - para problemas pulmonares
- Lucentis - para problemas oftalmológicos
No procedimento-padrão para solicitação de remédios judicialmente, a ação é julgada pelo Juizado da Fazenda Pública. Quando a ação é de valores até R$ 60 mil, a média para resposta é de 15 dias, segundo a DPE. Na Grande Florianópolis, a 18ª coordenadoria regional da Saúde recebe a solicitação, e a entrega fica à cargo da farmácia escola da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Entretanto, segundo ela, a taxa de descumprimento da ordem judicial é alta. "Algo em torno de 75%. Como o próprio Poder Judiciário não estabelece multa em caso de descumprimento, é feito o bloqueio das contas para conseguir o valor", explica a defensora.
"O que o estado geralmente alega é que venceram as licitações, ou as licitações para medicações estão demorando para acontecer. Mas a gente sabe que o problema é de gestão pública", conta a defensora sobre os motivos de descumprimento.
Remédios mais pedidos
Conforme a defensora, a maior solicitação é por Ranibizumabe, chamado comercialmente de Lucentis. Segundo a defensora, o medicamento é utilizado para degeneração macular e retinopatia diabética - é uma injeção dada no olho.
"A medicação não é dada ao paciente, mas é agendada a aplicação no hospital", explica a defensora. O medicamento não está na lista dos oferecidos pelo SUS, por isso a solicitação é feita judicialmente.
Entre os obrigatórios para fornecimento no SUS estão as insulinas. Segundo a DPE, a do tipo Lantus é uma das mais solicitadas judicialmente, em razão da falta do medicamento na rede pública. "[As caixas] custam em média R$ 300, são de uso de crianças e adultos", diz Dayana.
No DPU, o problema também está na mesma ordem. "Os medicamentos mais recorrentes são as insulinas e os análogos, além de Ritalina, Spiriva e Lucentis", diz Panitz.
Judicialização é problema para a secretaria de Saúde
Conforme a secretaria de Saúde, há oito meses foi implantado no estado um Núcleo de Apoio Técnico (NAT) para dar embasamento à Justiça nas decisões de liberação de medicamentos. O projeto atende atualmente São José e Palhoça, na Grande Florianópolis, com previsão de ampliação para a capital ainda em 2016.
"Ao longo desse período, já se verifica grande conformidade entre as sugestões do Núcleo e as decisões proferidas posteriormente, sejam elas sobre o fornecimento do medicamentos, sejam sobre a necessidade de incremento das informações por parte do autor, a fim de instruir mais adequadamente o pedido", declarou o consultor jurídico da secretaria, Daniel Cardoso.
De acordo com a secretaria, com esse novo modelo de núcleo consultor a tendência é "diminuição da judicialização da saúde, principalmente no que tange ao fornecimento de medicamentos não padronizados", escreveu o consultor.
Fonte: G1/SC
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