Comum em protestos ao redor do mundo para dispersar multidões, o gás lacrimogênio é proibido em guerras. Ele foi testado pela primeira vez durante a Primeira Guerra Mundial, com o objetivo de forçar soldados inimigos a deixar suas trincheiras para serem atacados com artilharia ou outras armas.
Com o passar do tempo, foi perdendo seu uso em conflitos armados até ser proibido em 1997, pela Convenção Sobre Proibição de Armas Químicas, firmado por 178 países.
A Convenção proíbe seu uso como arma de guerra, tendo em vista o poder letal do gás quando em alta concentração.
“Ele está proibido na guerra porque supostamente não se deve usá-lo como arma ofensiva”, explicou à BBC Mundo Anna Feigenbaum, professora da Universidade de Bournemouth, na Inglaterra, que publicou um ensaio sobre a história do gás na revista The Atlantic.”
A exceção para o uso pela polícia ocorre porque o gás não está sendo usado como uma arma, e sim como um agente de controle”, acrescentou.
O uso do gás em protestos tem sido criticado porque seu uso indiscriminado pode provocar problemas de saúde nos manifestantes.
Uma revisão de estudos sobre os efeitos do gás lacrimogêneo publicada em 2016 no Annals of the New York Academy of Sciences diz que ele pode causar sérios danos nos pulmões, pele e olhos; crianças, mulheres e aqueles que já têm complicações nessas áreas do corpo têm riscos maiores de serem afetados.
Guerra dos químicos
Há divergências entre os historiadores consultados pela BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, sobre quando exatamente o gás lacrimogêneo do usado pela primeira vez na Primeira Guerra, mas a maioria tende a apontar o mês de agosto de 1914, pouco depois do começo do conflito mundial.
Doran Cart, curador do Museu Nacional da Primeira Guerra Mundial, em Kansas City, no Missouri, nos Estados Unidos, diz que embora não existam documentos oficiais sobre isso, os franceses podem ter usado granadas lacrimogêneas contra os alemães nesse mês. Isso porque a França vinha fazendo experimentos com os gases em anos anteriores.
O “ponto de virada”, segundo o historiador, foi em 1915, quando gases começaram a ser testados com mais frequência, ainda que nem sempre de maneira efetiva.
Seu desenvolvimento fez parte de um esforço muito maior das potências para criar armas químicas, o que levou a Primeira Guerra Mundial a ser considerada “a guerra dos químicos”.
Além dos lacrimogêneos, também foram usados agentes como o gás mostarda, o gás cloro, gás fosgênio, alguns dos quais causaram um “sofrimento agonizante” e quase cem mil mortes, segundo dados das Nações Unidas.
“Esses gases se converteram na personificação de todo o mal da Primeira Guerra Mundial”, afirmou à BBC Mundo o historiador Michael Neiberg, professor da Universidade da Guerra do Exército dos Estados Unidos, na Pensilvânia.
Controle de distúrbios
Poucos anos depois, em 1925, foi firmado o Protocolo de Genebra que, com limitações, proibiu o uso de armas químicas nas guerras.
Na época, no entanto, já estavam sendo testados novos compostos químicos de gases lacrimogêneos e se buscava formas de convertê-los em ferramenta para uso rotineiro. Pela sua condição não letal, seu uso não provocava tanta resistência como o de outros gases.
Segundo Feigenbaum, poucos anos depois do armistício de 1918, várias cidades americanas e territórios ao redor do mundo começaram a comprar o gás, que foi usado em prisões, atos de greves e até em caixas-fortes de bancos para se evitar roubos.
A guerra do Vietnã também ajudou a mudar a percepção sobre o gás lacrimogêneo; tanto o seu uso no Vietnã como nos Estados Unidos – para dispersar protestos – passaram a ser criticados.
Para se distanciar das acusações de uso de armas químicas, Washington passou a se referir ao gás como um “agente para o controle de distúrbios”, um termo que passou a ser usado com frequeência cada vez maior, segundo um estudo publicado em 2013 na Yale Historical Review.
No resto do mundo, o gás se tornou mais habitual e nos últimos anos foi usado com frequência em protestos diversos – como no Brasil, na Primavera Árabe, no Parque Gezi, em Istambul, na Venezuela e no Estado do Missouri (protestos contra a morte de negros pela polícia), nos EUA, só para citar alguns dos casos mais notórios.
“Tornou-se algo de uso comum porque é uma maneira de dispersar uma multidão de maneira relativamente barata e fácil”, explica Feigenbaum.
A especialista diz que, usado de maneira adequada, o gás não causa ferimentos com sangue e seus efeitos são normalmente superficiais, o que é benéfico do ponto de vista da polícia.
Mas, para Feigenbaum, “a rua é o único lugar para onde podemos ir quando nos tiram o poder; se o ar é envenenado, estão tirando das pessoas a capacidade de protestar”. (BBC)
osul
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