quarta-feira, 12 de julho de 2017

“BEM VINDO AO OESTE CATARINENSE”: A qualidade do asfalto e a ineficiência do Dnit

A beleza natural de Santa Catarina impressiona e vai muito além das praias paradisíacas do litoral catarinense. Aqui tem atrações para todos os gostos, culturas das mais variadas e paisagens de encher os olhos e conquistar até quem não é daqui. É por todo o charme e carisma da terrinha que muita gente escolheu esse chão para morar, tornando Santa Catarina um dos estados brasileiros mais populosos e com maior extensão territorial do país. 
Mas, todo o encantamento catarinense abre uma brecha para o descaso quando o assunto é outro: as rodovias do Estado. A placa fixada na divisa entre Santa Catarina e Paraná, no Extremo-oeste, não sinaliza apenas a mudança de território, mas serve também de “aviso” sobre esse item essencial da infraestrutura do país e suas péssimas condições dentro das fronteiras catarinenses. 
Foto: Camila Pompeo/O Líder
Assim que se chega à Dionísio Cerqueira a deterioração do asfalto é visível não apenas pelos longos trechos com buracos, mas também pelas ondulações causados por remendos feitos durante operações paliativas de tapa-buracos.  “No Paraná é tudo bem feito e se trabalha dia e noite. Mas isso chega até o Paraná. Quando chega em Santa Catarina, parece uma estrada que vai para as lavouras, não uma BR que corta o nosso Brasil”, descreve Nelci Hartmann, 58 anos. 
A moradora de Guaraciaba se refere à uma importante rodovia federal da região, a BR-163 que tem mais de 3,4 mil quilômetros de extensão e liga o Rio Grande do Sul ao estado do Pará. Nelci fala porque tem conhecimento de causa. Com frequência ela acompanha o marido que é caminhoneiro em viagens por todo o Centro-Oeste do país e o que vê fora do solo catarinense é uma realidade bem diferente. “É inaceitável, tanto dinheiro e não são capazes de resolver um problema que não é de hoje. É uma rodovia importante e nada é feito”, completa.
Para quem é daqui, a situação já é conhecida. Para quem vêm de fora, as placas na cor laranja indicam “obras” e sinalizam que há homens trabalhando na pista. Trabalhadores e máquinas que há muito não são encontrados em nenhum trecho ao longo da rodovia na região. “Está cada vez mais difícil para o povo da nossa região utilizar as rodovias ao nosso redor. Parece que estamos ilhados de estradas ruins”, argumenta o contador, Emerson Alexandre Pierezan, 25 anos. 
Emerson Pierezan precisou socorrer a madrinha, Maria Aparecida dos Santos, quando um buraco no asfalto furou dois pneus do carro que a transportava até o tratamento contra o câncer furou - Foto: PrintScreen/O Líder 
O contador de São Miguel do Oeste e a moradora de Guaraciaba tem muito mais em comum que a mesma opinião sobre a qualidade da infraestrutura do Extremo-oeste catarinense. Enquanto Nelci enfrenta a insegurança da desapropriação, Pierezan fala sobre a insegurança do asfalto. O jovem conta que a madrinha trafega frequentemente pelo trecho até a cidade de Cascavel, no Paraná, onde passa por sessões de quimioterapia para enfrentamento do câncer. Há alguns dias, já na saída de São Miguel do Oeste, um buraco no asfalto furou, de uma só vez, dois pneus do veículo que a transportava. 
“Colocamos ela em outro carro pra ela não perder o tratamento naquele dia. Tem sido bem difícil, pois ela faz esse trajeto ao menos três vezes por mês, então toda hora o patrimônio da família está correndo risco, fora a nossa própria saúde, pois nunca sabemos se podemos sofrer um acidente ou não. A gente fica refém do descaso”, conta.
O apelo é o mesmo da comunidade regional: solução. “Cada viagem, cada vez que passamos por ali é um sufoco. Esperamos que o Dnit resolva esse problema, pois estamos esquecidos aqui e nossa região tem uma importância gigantesca no nosso estado, pois temos um povo trabalhador, correto e que precisa da atenção dos nossos representantes. As promessas a gente já ouviu, agora estamos aguardando as ações”, destaca.
INDENIZAÇÕES
“Não recebemos nada”, diz moradora
Nelci Hartmann, 58 anos - Foto: Camila Pompeo/O Líder
Nelci Hartmann é a matriarca de uma das cerca de 600 famílias ao longo do trecho entre São Miguel do Oeste e Dionísio Cerqueira que terão que deixar suas casas para que a BR-163 possa avançar em paralelo ao grande fluxo de veículos. No início, a notícia preocupou, mas agora a falta de respostas é o que assusta. Desde 2014, as famílias foram informadas das desapropriações e medições até foram realizadas mas, até agora, a maioria não viu a cor do dinheiro. “Não recebemos nada. Mediram e falaram que teríamos que sair, mas não temos nada de concreto. Isso é um descaso, nossa população não merece isso. Estamos sem saber que rumo que vamos tomar. Moro aqui há 34 anos e nunca pensei em sair daqui. Estamos presos, sem saber se investimos, estamos sem saída. Precisamos de dinheiro para comprar em outro lugar”, declara.
 A ordem de serviço para ampliação e recuperação da BR-163 foi assinada e comemorada em 2013. Com um investimento total de mais de R$ 110 milhões, a obra até começou a sair do papel, entretanto, bem antes de atingir a metade do previsto em contrato, a empresa vencedora da licitação abandonou os trabalhos.
 “A empresa encontra-se em recuperação judicial. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) já abriu um processo de apuração de reponsabilidade para poder retirar a empresa do contrato. É preciso abrir um novo procedimento de contratação, nesse caso é chamada a próxima empresa para identificar se ela ainda tem interesse em participar da obra”, justificou o Diretor Geral do Dnit, Valter Casimiro Silveira, em audiência pública realizada nesta semana no plenário da Câmara de Vereadores, em São Miguel do Oeste.
Foto: Camila Pompeo/O Líder
A audiência pública realizada na noite de segunda-feira (3) contou com a presença dos deputados federais, João Rodrigues e Valdir Colatto, dos deputados estaduais Pedro Uczai, Dirceu Dresh e Mauro de Nadal, além de lideranças locais e comunidade regional. Em justificativa, o diretor geral do Dnit chegou a se desculpar por várias vezes com a comunidade, reconhecendo a precariedade do asfalto da região.
 “O meu papel como diretor é pedir desculpas a população de todo o oeste de SC, não só aqui São Miguel do Oeste, de Maravilha, Chapecó, mas de todas as cidades que visitei e que vi as condições das rodovias. Faça isso com toda a humildade porque sei a importância que é o oeste de SC para a produção do país, desenvolvimento, colaboração no PIB. A empresa que hoje está contratada executou aproximadamente 35% da obra da BR-163”, diz.
 Silveira revela que em 2014 o Dnit passou a ter dificuldades financeiras para honrar o pagamento das obras que estavam acontecendo. Nesse período, os pagamentos ficaram atrasados em seis meses por falta de fluxo financeiro do Governo Federal. “Gerou um problema para todas as empresas que prestavam serviço para o Dnit e para a população que precisa dessa infraestrutura. Gerou um problema para as empresas contratadas pelo Dnit. No início de 2016, demos ordem de paralização em 90% dos nossos contratos de construção para pressionar o fluxo financeiro e voltar à normalidade”, conta.
 O diretor do Dnit acrescenta que o tesouro nacional se sensibilizou, reorganizou o fluxo financeiro dos compromissos do órgão e, em abril, o Departamento conseguiu colocar os pagamentos em dia. A medida gerou reflexo para todas as empresas que prestavam serviços para o Dnit, uma delas a empresa contratada para realizar as obras da BR-163. Segundo Silveira, devido aos trâmites legais, não é possível dar garantias de prazos. No entanto, ele acredita que em 60 dias, possam ter continuidade as ações de melhorias da via.
 Cadê o dinheiro?
Foto: Camila Pompeo/O Líder
No projeto de ampliação e revitalização da BR-163 estão previstos pelo menos 23 quilômetros de terceira faixa. É por este motivo que se faz necessária a desapropriação das propriedades localizadas às margens da rodovia. Mutirões de desapropriações chegaram a ser realizados, mas poucas famílias foram atendidas. Passados três anos do início das obras, muita gente ainda se pergunta: “Cadê o dinheiro?”. 
“Ficamos frustrados com a audiência. O representante do Dnit estava perdido, sem informações, não trouxe soluções. Precisamos que o Dnit tome um posicionamento sobre isso ou teremos que ser mais radicais. Sobre as indenizações, eles dizem que mais de 90% foram pagas. Ele está perdido. Mais de 70% das pessoas não foram indenizadas. Estão aguardando o processo para tocar suas vidas. Perdemos horas do nosso tempo precioso para ouvir besteira”, comenta o presidente da Comissão que defende os interesses dos moradores, Pedro Trevisol.
O diretor do Dnit, Valter Casimiro Silveira, argumentou que tinha informações da área técnica de que 90% do processo de indenização correu em “perfeita harmonia, tranquilidade e concordância dos proprietários”. “Vou levantar o assunto junto à área técnica para fazer esse levantamento. Sei que teria em torno de 10% para resolver de desapropriação, mas se esse número estiver errado, vou fazer o levantamento e pedir para que a área técnica corra para resolver. Hoje o problema do Dnit não é dinheiro”, justifica.
BR-282
“O guincho queria cobrar R$ 100 a mais por causa da má qualidade do asfalto”
Foto: Camila Pompeo/O Líder
“Em obras”, só nas placas. “BR-Legal”, só no nome do Programa de Segurança e Sinalização Rodoviária. Na prática, a BR-282, trecho entre Chapecó e São Miguel do Oeste, não está em obras e, muito menos, legal e segura para transitar. Prova disso são os diversos acidentes registrados todos os dias ao longo do trecho. O engenheiro mecânico, Matheus Roman, de 27 anos, amargou um prejuízo grande depois de se envolver em um acidente de trânsito ocasionado pelas falhas da pista.
“Estava retornando de Chapecó, fazendo a curva para entrar na ponte. O carro passou por uma ondulação e começou a derrapar. Até tentei segurar, mas invadi a pista contrária e bati na lateral de uma caminhonete. Eu não tinha mais seguro do meu carro, o valor estava muito caro. Até não saia muito em viagens. O guincho queria cobrar R$ 100 a mais por causa da má qualidade do asfalto. O caso foi que tenho que pagar a caminhonete e meu carro está na oficina esperando. Entrei com uma ação contra o Dnit e agora estou aguardando o que fazer”, comenta.
Matheus Roman - Foto: PrintScreen/O Líder 
Roman sofreu lesões leves no acidente e se recuperou rapidamente. No entanto, muitos motoristas não têm a mesma “sorte”. Acidentes graves tiram a vida de dezenas de pessoas todos os dias nas rodovias do Oeste catarinense. Além dos buracos e ondulações da pista, as curvas cercadas por grandes paredões de pedra são um perigo a mais para quem trafega. “Estamos abandonados. Você nunca vai encontrar uma estrada como temos no Extremo-oeste em regiões turísticas do Estado. O que pedimos é um pouco mais de compromisso e respeito. Seria importante se as empresas da região se unissem em prol dessa causa. Falta um empenho maior, tentar unir a população”, argumenta Roman.
Nos últimos dias, alguns buracos espalhados ao longo de toda a pista deram lugar a uma camada asfáltica. A medida paliativa foi realizada antes da chegada do diretor geral do Dnit, Valter Casimiro Silveira, na região. O diretor passou por várias cidades do Extremo-oeste e, em muitas, foi recebido de forma bastante rebelada. No plenário do Poder Legislativo, em São Miguel do Oeste, a revolta partiu também de alguns membros da comunidade em relação aos políticos da região. Por alguns momentos, o verdadeiro motivo da reunião deu espaço a xingamentos políticos que foram, da mesma forma, respondidos pelos deputados. 
Porque a demora?
Na unanimidade, o pedido foi de urgência nas ações de melhorias das rodovias na região Oeste e Extremo-oeste. Em sua fala o Diretor Nacional do Dnit, Valter Casemiro Silveira, voltou a dizer que o atraso nas obras não é por falta de recursos e sim pelo entrave burocrático. O diretor disse ainda que entende que se faz necessária uma restauração maior de todo o pavimento para atender as demandas da comunidade. “Hoje tem empresa contratada para fazer o tapa-buraco, mas o nível de deterioração é tamanho, que o sistema de tapa-buracos já não resolve mais. Jogamos a massa e com dois meses já esta cheio de buraco de novo. Isso só vai resolver com o trabalho de restauração do pavimento. Que é isso que estamos contratando”, menciona.
Foto: Camila Pompeo/O Líder
Silveira também falou sobre as obras de ampliação e recuperação da BR-282, que foram divididas em dois lotes. O primeiro, de Ponte Serrada à Chapecó, corre em ritmo acelerado. Já no segundo lote, entre Chapecó e São Miguel do Oeste, mais uma vez os entraves burocráticos atrapalham o início das obras. “Queria que tivesse tido sucesso no segundo lote, mas infelizmente uma das concorrentes entrou com uma medida judicial que vem se arrastando até o momento. Houve uma decisão do TRF4 determinando a recondução de uma das empresas desclassificadas, para que pudesse retornar como empresa homologada. O Dnit recorreu porque entendeu que ela não atendia aos requisitos do edital e aí foi confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a retornar a segunda empresa”, explica.
 O diretor salienta que o órgão não deve voltar a recorrer da decisão, mas que pretende contratar a segunda empresa de forma efetiva e não apenas temporária como prevê o Tribunal. “O Dnit não vai mais recorrer, mas a decisão do TRF4 colocou que o Dnit precisaria aceitar provisoriamente a empresa, segunda colocada no certame, para poder homologar. Esse é o tipo de decisão que não dá para ser provisório. Foi feito uma consulta ao desembargador do TRF4 para entender se o Dnit pode contrata-la de forma definitiva. O que faço aqui com parlamentares e lideranças é pedir ajuda para que o desembargador tome essa decisão para que se possa finalizar o procedimento licitatório, a contratação efetiva”, finaliza. 
O Líder/Camila Pompeo/wh3

Nenhum comentário:

Postar um comentário